sábado, 10 de janeiro de 2015

O trabalho de Kuan Yin no inferno e o paradoxo do Self - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Sobre sonhos e transformações" de C. G. Jung

E, no caso do si-mesmo, perguntamo-nos da mesma forma. [Quais valores ele tem?] Então descobrimos que sua extensão para cima é a mesma que para baixo - e isso é um tanto mais sinistro, pois através do si-mesmo entra em nós não apenas o Bem, mas também o Mal. Se um ser humano fosse assim diríamos: "Mas ele se contradiz constantemente, é totalmente confuso!" Agora, neste momento, parece estar lá em cima e no próximo lá embaixo, não dá para entender isso. Como é difícil para as pessoas entenderem que a imagem de Deus é ambivalente. [...]

As culturas asiáticas conseguem compreender isso, conseguem compreender que os deuses se manifestam de modo benevolente e malevolente. Por exemplo, a adorável Kuan Yin. Ao entregar o alimento diário aos espíritos maus do inferno, ela se manifesta na forma de um espírito mal, pois é tão boa que quer evitar assustar os maus espíritos. Imaginem os senhores a Mãe Maria alimentando os maus espíritos no inferno, usando para tal uma pele de animal com um rabo. [Risos] É bem assim, não é?

O si-mesmo é de fato semelhante àquelas xilogravuras japonesas que vi: Embaixo está o inferno e lá Kuan Yin vaga na forma de um terrível fantasma, isto é, que tem um aspecto diabólico. Vaga na forma de um diabo que alimenta, por assim dizer, os maus espíritos. E de sua cabeça sai um fio que vai até as alturas do céu e lá Kuan Yin, muito pequena, está sentada em seu trono na luz prateada da lua, na forma de uma remota recordação. Na realidade agora ela é o demônio malvado. 

[...] através da psicologia do inconsciente sabemos que o si-mesmo é absolutamente opositivo. E de uma forma que simplesmente nos aturde. Percebemos então: Isso é demais para a minha cabeça; e eventualmente podemos ter um sonho muito importante que nos transmite uma verdade absolutamente paradoxal em relação à qual não conseguimos descobrir de forma alguma; Isso se refere a algo diabólico ou à mais alta espiritualidade ou a algo nesse sentido...? É antinômico, e por isso a imagem de Deus é transcendente, pois se furta ao nosso alcance. 

Nenhum comentário: