sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O afeto do analista - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Sobre sonhos e transformações" de C. G. Jung

Um dia tratei de um caso, era uma médica mais velha, tinha mais ou menos 56 anos e ela me procurou num estado de total Amentia [amência], quer dizer, num estado mental confuso. Então eu disse: "Pelo amor de Deus, o que a senhora fez, o que está acontecendo com a senhora?" Assim veio à tona que ela esteve em uma análise freudiana, onde tinha que ficar deitada no divã, e o analista sentou atrás dela na esperança de não ser atingindo, e simplesmente não reagia. Desse modo, ela começou a fantasiar todo tipo de coisas, tentava chocá-lo, aborrecê-lo, provocar - pelo amor de Deus - qualquer tipo de reação nesse pedaço de pau; e não vinha nenhuma resposta, de modo que ela parecia cada vez mais louca. Por fim, precisou interromper a análise, pois sentia que estava entrando em um estado mental completamente confuso. Mas isch härrgottnochemal [Deus do céu!] - é desumano comportar-se assim! E então ela diz: "Veja, o senhor teve um afeto!" E eu digo: "Claro que tive um afeto. O que a senhora imagina, a senhora acha que sou um pedaço de pau? Não sou, pois, um ser triste e atrofiado de tanta teoria que mal tem reações humanas". Quando tenho um afeto, tenho um afeto! E ocasionalmente também provei isso para as pessoas - de fato - que tenho um afeto! [Risos] Não quero lhes contar o que já aprontei nesse sentido. Mas dessa forma encurtamos uma análise por anos! 

[...] é óbvio que ela vai perder toda orientação se o analista não reage ou quando não diz o que pensa a respeito da situação. Quando alguém vem com um plano maluco onde vemos que isso tudo [...] consiste numa trama para destruí-lo e não dizemos nada, isso é desumano, não é? Pois, por outro lado, ensinamos ao paciente no caso de suas imaginações ativas: Você deve entrar nessas fantasias e não ficar à parte como se fosse um pedaço de pau, e sim participar. E daí o analista não participa, comporta-se exatamente do modo como diz ao paciente que a gente não deve se comportar. E de fato - isso é totalmente estúpido, isso simplesmente revela que o analista não consegue ser natural e, se não consegue ser natural, é melhor ele desistir de antemão.

Contudo, podemos, porventura, ter a sensação: "Bem, agora deveríamos..." e não sabemos o quê. Mas, quando perguntamos a nós mesmos o que deveríamos de fato fazer em relação a este caso, podemos nos declarar ignorantes e dizer: "Não sei, não sei o que se pode fazer nesse caso". Mas podemos ao menos demonstrar que estamos presentes; que, caso soubéssemos, faríamos alguma coisa. Aconteceu-me repetidas vezes de eu não entender um sonho. Nessas horas não faço cara de importante, ao invés disso digo [Risos]: "Não entendo esse sonho, não sei a que se refere".

Bem, é assim que acontece no caso dessas interferências. Eventualmente podemos passar pela situação na qual precisamos, por razões humanas, dizer alguma coisa e, quem sabe, algo bem incisivo. Não em função de preceitos teóricos, isso não conta, mas em situações humanas. Sobre isso decide unicamente o instinto; então devemos nos preocupar em estarmos em sintonia com o nosso instinto. Quem decide isso não são as boas intenções e nem os preceitos teóricos ou a assim chamada compreensão da estrutura da neurose, tudo isso não nos ajudará. A totalidade da personalidade, que é ineffable [inefável], nos ajudará nesse momento - a não ser que a tenhamos ofendido fortemente num momento passado. 

2 comentários:

Andressa Bragança disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Andressa Bragança disse...

Obrigada pela postagem!