sábado, 20 de dezembro de 2014

Regressão e fascinação arquetípica na neurose e na psicose - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Cartas de C. G. Jung" Vol II.
Trecho de carta de Jung enviada ao Dr. John W. Perry em 08/02/1954.

Dear Perry, 

[...] Em primeiro lugar, a regressão que ocorre no processo de renascimento ou integração é em si um fenômeno normal, podendo ser observado também em pessoas que não sofrem de nenhuma psicopatia. No caso de uma constituição esquizóide, observa-se quase o mesmo, apenas com a diferença de que há uma tendência marcante do paciente ficar preso ao material arquetípico. Neste caso, repete-se sempre de novo o processo de renascimento. Esta é a razão por que a esquizofrenia clássica desenvolve condições estereotipadas. Até certo ponto, a experiência é a mesma com indivíduos neuróticos. Isto é assim porque o material arquetípico tem uma estranha influência fascinante que tenta assimilar a pessoa por inteiro. Ela procura identificar-se com alguma das imagens arquetípicas que são características do processo do renascimento. É por isso que os casos esquizofrênicos apresentam um comportamento de certo modo bem infantil. Pode-se observar quase o mesmo em pacientes neuróticos; desenvolvem inflações por conta da identificação com imagens arquetípicas ou desenvolvem um comportamento infantil por conta da identidade com a criança divina. Em todos estes casos a dificuldade real será libertar os pacientes da fascinação (através do material arquetípico). Os casos esquizóides bem como os casos neuróticos repetem muitas vezes sua história pessoal da infância. Isto é um sinal favorável na medida em que é uma tentativa de voltar a crescer no mundo, como eles já o fizeram antes, ou seja, em sua infância. (...)


Via de regra não é preciso levar os pacientes a que revivam suas reminiscências infantis; geralmente eles o fazem por si mesmos, pois é um mecanismo inevitável e, como eu disse, uma tentativa teleológica de crescer novamente. Se observar apenas o material que os pacientes produzem, verá que eles entrarão forçosamente em suas reminiscências, costumes e maneiras infantis e que projetarão especialmente as imagens dos pais. Se houver uma transferência, o senhor ficará envolvido e integrado na atmosfera familiar do paciente. [...] Quando deixamos que o inconsciente siga o seu caminho natural, então podemos estar certos de que virá à tona tudo o que o paciente precisa saber; também podemos estar certos de que tudo o que tiramos do paciente por insistência em bases teóricas não será integrado na personalidade do paciente, ao menos não como valor positivo, mas no máximo como resistência duradoura. Nunca lhe ocorreu que em minha análise pouco se fala de "resistência" [...]?

Quando se trata de pacientes esquizóides, a dificuldade de libertá-los do domínio do inconsciente é obviamente bem maior do que nos casos de neuroses comuns. Muitas vezes não conseguem encontrar seu caminho de volta do mundo arquetípico e que conduz para o mundo infantil correspondente, onde haveria uma chance de libertação. Não é sem razão que Cristo insiste com "tornar-se como crianças", o que significa uma resolução consciente de aceitar a atitude da criança, na medida em que esta atitude é exigida pelas circunstâncias. Como se trata sempre do problema de aceitar a sombra, é preciso a simplicidade de uma criança para submeter-se a esta tarefa aparentemente impossível. Portanto, quando o senhor perceber que o processo de renascimento mostra uma tendência de repetição, precisa saber que a fascinação pelo material arquetípico ainda deve ser superada, talvez porque sua ajuda foi insuficiente ou porque a atitude do paciente provocou resistência. 

Mas esta questão etiológica significa pouco. O senhor deve simplesmente tentar de novo transformar a fascinação arquetípica numa simplicidade parecida com a da criança. Há evidentemente casos em que nossa ajuda é insuficiente ou chega tarde demais, mas isto acontece em todos os ramos da medicina. Eu procuro sempre seguir o caminho da natureza e evito ao máximo aplicar pontos de vista teóricos; jamais lamentei este meu princípio. [...]

Faço votos de que esteja bem de saúde.

Yours cordially,
(C.G. Jung)

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