quarta-feira, 18 de junho de 2014

Mitologia e psicopatologia - J. Hillman

Texto de James Hillman retirado do livro "Re-vendo a psicologia"

Ao supor que uma doença psicológica é a encenação de uma fantasia patologizante, o procedimento da psicologia arquetípica é a busca pelos archai, os princípios regentes, ou raízes metafóricas, da fantasia. A psicologia arquetípica tenta dar sentido ao patologizar através da parecença com um pano de fundo arquetípico, de acordo com o princípio postulado por Plotino - "Todo o saber vem da semelhança" - e seguindo o método que ele também iniciou chamado "reversão" (epistrophé) - a ideia de que todas as coisas desejam retornar ao original arquetípico do qual são cópias, e dos quais derivam. O patologizar, da mesma forma, é examinado em termos de semelhança, e imaginado como abrigando a intenção de retornar a um background arquetípico. 

Qual padrão arquetípico é como meu comportamento e minha fantasia presentes? Com quem sou parecido naquilo que faço e sinto? "Semelhança" aqui se refere à ideia de que aquilo que é concretamente manifestado na psique individual tem sua semelhança num punhado de parecenças arquetípicas onde o patologizar que me acontece encontra lugar, faz sentido, tem necessidade, e para as quais o patologizar pode ser "revertido". Essas parecenças arquetípicas são muito bem apresentadas nos mitos em que as pessoas arquetípicas às quais me assemelho e os padrões que estou representando têm seu lar autêntico. 

É para esse reino mítico que retorno todas as fantasias. A autenticação das fantasias de doença não está na natureza, mas na psique; não na doença literal, mas na doença imaginal; não na psicodinâmica de configurações reais, do passado ou do presente, mas nas figuras míticas que são as eternas metáforas da imaginação, os universais da fantasia. Essas figuras míticas, como minhas aflições, são "trágicas, monstruosas e não naturais", e seus efeitos sobre a alma, como minhas aflições, "perturbam ao excesso". Apenas na mitologia a patologia recebe um espelho adequado, já que os mitos falam com a mesma linguagem distorcida e fantástica. 

Patologizar é um modo de mitologizar. Patologizar nos arranca do imediatismo cego, distorcendo nosso foco no natural e no real ao forçar-nos a perguntar sobre o que há dentro e por trás deles. A distorção é, ao mesmo tempo, uma intensificação e uma nova clarificação, relembrando a alma de sua existência mítica. Na agonia do patologizar, a psique passa por uma reversão a um estilo mítico de consciência. A psicanálise enxergou isto, mas o condenou como regressão a níveis mágicos, primitivos. Porém, a psique reverte-se não apenas para escapar da realidade, como também para encontrar outra realidade na qual o patologizar faz um novo sentido. 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Alma - J. Hillman

Texto retirado do livro "Re-vendo a psicologia" de James Hillman

A psicologia sempre tem a oportunidade de enxergar através de suas principais convicções e posições. Ela pode levar a reflexão psicológica para ela mesma. Ela pode então dissolver a crença literal em pessoas ao repersonificá-las em metáforas. Então, a personalidade pode ser imaginada de um novo jeito: que sou uma pessoa impessoal, uma metáfora encenando múltiplas personificações, mimético às imagens no coração que são meu destino, e que esta alma que me projeta tem profundezas arquetípicas que são estranhas, inumanas e impessoais. A minha assim chamada personalidade é uma persona através da qual a alma fala. Está sujeita à despersonalização e não é minha, mas depende totalmente da bênção da crença em mim mesmo, uma fé dada através da anima no meu valor como portador de alma. Não sou eu quem personifico, mas a anima que me personifica, ou faz-se a si mesma através de mim, dando à minha vida o seu (dela) sentido - seu intenso sonhar acordado em meu "eu-mesmo;" e "eu", um vaso psíquico cuja existência é uma metáfora psíquica, um ser "como-se", no qual cada crença é um literalismo, exceto a crença na alma cuja fé me pressupõe e me torna possível como uma personificação da psique.