sábado, 18 de janeiro de 2014

Uma profusão de vidas: a clínica das subpersonalidades - Piero Ferrucci

Texto de Pierro Ferrucci (psicossíntese) retirado do livro "O que podemos vir a ser".

Uma das mais danosas ilusões que podem nos enredar é provavelmente a crença de que somos seres indivisíveis, imutáveis, totalmente consistentes. Mas, descobrir que o contrário é verdade está entre as primeiras tarefas - e possivelmente surpresas - que nos confrontam na aventura de nossa psicossíntese.

Podemos facilmente reconhecer nossa real multiplicidade através da constatação de quão frequentemente mudamos nossa perspectiva geral, mudando nosso modelo de universo com a mesma facilidade com que mudamos de roupa. Assim sendo, a vida pode nos parecer, em algum momento, como uma rotina, uma dança, uma corrida, uma aventura, um pesadelo, um enigma, um carrocel etc. 

Nossos vários modelos de universo colorem nossa percepção e influenciam nosso jeito de ser. E, para cada um deles, desenvolvemos uma auto-imagem e um conjunto de posturas corporais, gestos, sentimentos, comportamentos, palavras, hábitos e crenças. Essa constelação de elementos constitui, em si mesma, um tipo de personalidade miniatura, ou como passaremos a chamá-la, uma subpersonalidade.

As subpersonalidades são satélites psicológicos, coexistindo como uma profusão de vidas dentro da média global de nossa personalidade. Cada subpersonalidade tem um estilo e uma motivação próprios, frequentemente não similares aos das outras. Diz o poeta português Fernando Pessoa, "Em cada esquina de minh´alma, há um altar para um deus diferente".


Em cada um de nós há uma multidão. Pode haver o rebelde e o intelectual, a sedutora e a dona de casa, o sabotador e o esteta, o organizador e o bon vivant - cada qual com sua própria mitologia e, todos mais ou menos confortavelmente agrupados numa só pessoa. Com frequência, estão longe de estar em paz uns com os outros. Como escreveu Assagioli, "Nós não somos unificados; frequentemente sentimos que somos, porque não temos diversos corpos e diversos membros, porque usualmente uma mão não bate na outra. Mas metaforicamente, isto é exatamente o que de fato acontece dentro de nós. Muitas subpersonalidades estão continuamente envolvidas numa rixa tumultuada: impulsos, desejos, princípios, aspirações estão engajados numa luta incessante". [...]


Quando reconhecemos uma subpersonalidade, temos condições de sair dela e observá-la. Na Psicossíntese,  chamamos a esse processo "desidentificação". Devido ao fato de todos nós termos uma tendência para nos identificarmos - tornarmo-nos uno - com esta ou aquela subpersonalidade, implicitamente acreditamos que somos ela. A desidentificação consiste em sair desta desvantajosa posição ilusória e retornar ao nosso verdadeiro eu. Frequentemente, isto é acompanhado por um sentido de compreensão e de liberação. [...]

As subpersonalidades são lesivas apenas quando nos controlam. Uma das metas deste trabalho é, portanto, evitar que sejamos dominados - e consequentemente limitados - por elas e ajudar-nos a identificar e "des-identificar" de todas à vontade. [...] O que significa ser prisioneiro de uma subpersonalidade? Significa que ela impõe seus padrões característicos sobre nós com a exclusão de todos os outros. Porém, se uma certa atitude é a única que posso assumir, ela se torna uma idiossincrasia. Se um certo tipo de comportamento é o único que consigo desempenhar, ele se torna uma compulsão. Se um ponto de vista específico é o único que tenho, termino sendo uma pessoa de visão estreita.

A meta final do trabalho com subpersonalidades é aumentar o sentido de self, ou centro, mediante o aprofundamento da familiaridade com nossas próprias subpersonalidades, de modo que, ao invés de desintegrá-las numa miríade de partes menores, em guerra umas com as outras, possamos novamente ser uno. [...] Partindo do centro, podemos adentrar esta ou aquela subpersonalidade, regulá-las, corrigi-las, cuidar delas. A habilidade a ser aprendida é a flexibilidade, de modo a não sermos dominados por nossas subpersonalidades, nem sufocarmos sua expressão e ignorar suas necessidades - em outras palavras, ter um sentido de comando compassivo, divertido. 

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