quinta-feira, 22 de abril de 2010

Êxtase de Ramakrishna


...O sofrimento me dilacerava. Ao pensar que não teria na vida a graça desta visão divina, fui tomado de uma ansiedade terrível. Pensei: se isto deve ser assim, estou farto desta vida!... A grande espada estava pendurada no santuário de Kali. Meu olhar caiu sobre ela e um clarão atravessou-me a mente. - Ela!... Ela me ajudará a pôr fim... Precipitei-me em direção à espada. Segurei-a como um louco... E eis que a sala, com todas as suas portas e janelas, o templo, tudo desapareceu da minha vista. Parecia-me que nada mais existia. Em lugar disto, enxerguei um oceano do espírito, sem limites, resplandecente. Para qualquer ponto que voltasse os olhos, por mais longe que fosse, avistava as vagas enormes deste oceano brilhante. As ondas precipitavam-se furiosamente sobre mim, com um ruído medonho, como se fossem me engolir. Num instante estavam em cima de mim, arrebentaram, engoliram-me. Enrolado por elas, perdi a respiração. Perdi a consciência e caí no chão... Não sei como passei aquele dia e o seguinte. Dentro de mim rolava um oceano de alegria inefável. E até o fundo tinha consciência da presença da Mãe Divina...

(Edições de Planeta - Ramakrishna, o louco de Deus. São Paulo: Três, 1973. p.16).

Um comentário:

Paul disse...

Há vários elementos típicos nesta vivência. Gostaria de destacar a semelhança do estímulo inicial, o reflexo do sol num objeto de metal, também presente na experiência de Jacob Boehme. Conforme citação de Walter Boechat, em sua tese O Corpo Psicóide:

"A revelação inicial de Boehme teve lugar quando ele observava um escuro prato de estanho, e nele percebeu o reflexo do sol. Neste momento ele compreendeu que a luminosidade só podia ser percebida a partir da superfície escura da qual ela era refletida. A luminosidade só podia se tornar manifesta a partir da escuridão."

Da mesma forma que Ramakrishna, Boehme expressou esta experiência em termos de "eternidade":

"Esta dialética fundamenta todo o pensamento de Boehme e foi expressa em sua figura em forma de mandala: "A esfera filosófica ou o olho maravilhoso da eternidade". Todas as suas proposições e reflexões filosóficas podiam ser expressas neste desenho."