domingo, 17 de agosto de 2008

O Poder Separador do Mal - Stanislav Grof


Algumas das pessoas que experimentaram um encontro pessoal com o Mal Cósmico tiveram alguns insights interessantes a respeito de sua natureza e função no esquema universal das coisas. Elas viram que esse princípio está intrincadamente entretecido na textura da existência e que ele permeia em formas cada vez mais concretas todos os níveis da criação. Suas várias manifestações são expressões da energia que faz com que as unidades projetadas da consciência sintam-se separadas umas das outras. Ela também as alienam de sua fonte cósmica, a Consciência Absoluta indiferenciada. Desse modo elas são impedidas de perceber sua identidade com sua fonte e também de perceber sua unidade básica de umas com as outras.

Desse ponto de vista, o mal está intimamente ligado ao dinamismo ao qual me referi anteriormente como “dissociação”, “trabalhos em tela” ou “esquecimento”. Desde que a brincadeira divina, o drama cósmico é inimaginável sem protagonistas individuais, sem entidades distintas separadas, a existência do mal é absolutamente essencial para a criação do mundo como o conhecemos. Esse entendimento está basicamente de acordo com a noção encontrada em algumas escrituras místicas cristãs de acordo com as quais o anjo decaído Lúcifer (literalmente, “portador da luz”), como representante das polaridades, é visto como uma figura demiúrgica. Ele leva a humanidade na fantástica viagem ao mundo da matéria. Abordando o problema de uma outra perspectiva podemos dizer que, em última análise, o mal e o sofrimento são baseados numa falsa percepção da realidade, particularmente na crença dos seres sencientes de que são individualidades separadas. Esse insight constitui uma parte essencial da doutrina budista da anatta ou Anātman (não eu).



O insight de que o mal é uma força de separação do universo também ajuda no entendimento de certas seqüências e padrões típicos experimentais dos estados holotrópicos. Desse modo, as experiências extáticas de unificação e expansão da consciência são freqüentemente precedidos por encontros esmagadores com as forças da escuridão, em forma de maléficas figuras arquetípicas, ou mostras em telas demoníacas. Isso é regularmente associado com sofrimentos emocionais e físicos extremos. O exemplo mais significativo que ilustra essa conexão é o processo de morte e renascimento psicoespirituais, no qual as experiências de agonia, terror e aniquilamento por deidades coléricas são seguidas pelo sentimento de reunião com a fonte espiritual. Essa conexão parece ter encontrado uma expressão concreta nos templos budistas japoneses, tais como o esplêndido Todaiji, em Nara, onde tem-se que passar por terríveis figuras de guardiões coléricos antes de se entrar no interior do templo e contemplar a imagem radiante do Buda.

(Retirado de "O Jogo Cósmico"; de Stanislav Grof)

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