domingo, 10 de agosto de 2008

O Impacto do Processo Holotrópico nos Valores Éticos e no Comportamento - Stanislav Grof

Antes de podermos apreciar de modo global as implicações éticas que os profundos e transcendentes insights possam ter em nosso comportamento, devemos levar em consideração alguns fatores adicionais. A exploração experimental que tornam disponíveis tais insights profundos revelam tipicamente a existência em nosso subconsciente de fontes de informações transpessoais, biográficas, e de nossa ganância. O trabalho psicológico realizado sobre tais dados conduz a uma redução significativa de nossa agressividade e a um aumento de nossa tolerância. Também encontramos um amplo espectro de experiências transpessoais nas quais nós nos identificamos com vários aspectos da criação. Isso resulta numa profunda reverência pela vida e empatia por todos os seres sencientes. O mesmo processo através do qual nós estamos descobrindo o vazio das formas e a relatividade dos valores éticos também reduz significativamente nossa predisposição para o comportamento imoral e antisocial e nos ensina a amar e ter compaixão.

Desenvolvemos um novo sistema de valores que não é baseado em normas convencionais, preceitos, mandamentos e medo de punição, mas em nosso conhecimento e compreensão da ordem universal. Percebemos que somos uma parte integrante da criação e que ferindo os outros nós estaríamos ferindo a nós mesmos. Além disso, a auto exploração profunda nos conduz à descoberta experiencial da reencarnação e da lei do carma. Isso nos traz a percepção da possibilidade de sérias repercussões experienciais do comportamento prejudicial, mesmo aqueles que escapam das reações da sociedade.


Platão estava claramente consciente das profundas implicações morais de nossas crenças no que se refere ao prosseguimento da vida após a morte biológica. Em seu livro Leis (Platão, 1961a) ele escreve que Sócrates dizia que a falta de conseqüências postmortem de nossos atos seria “uma dádiva aos perversos.” Nos estágios avançados de desenvolvimento espiritual, a combinação de decréscimo de agressividade, declínio de orientação egocêntrica, sentimento de ser um com os seres sencientes, e as consciências do carma torna-se um fator importante fator que governa nossa conduta no dia-a-dia.



É interessante mencionar neste contexto Carl Gustav Jung e a crise que ele experienciou quando percebeu a relatividade das normas e valores éticos. Nesse ponto, ele questionou seriamente se, de um ponto de vista elevado, realmente importa qual comportamento escolhemos e se seguimos ou não preceitos éticos. Depois de alguma deliberação, ele finalmente encontrou uma resposta pessoal satisfatória a tal pergunta. Ele concluiu que, desde que não existe um critério absoluto com relação à moralidade, toda decisão ética é um ato criativo que reflete o nosso estágio atual de desenvolvimento de consciência e de conhecimento das informações a nós disponíveis. Quando tais fatores mudam, nós poderemos retrospectivamente ver a situação de modo diferente. Entretanto, isso não quer dizer que nossa decisão anterior estivesse errada. O que importa é que fizemos o que de melhor nos era possível sob aquelas circunstâncias.

Embora nas experiências transpessoais avançadas possamos transcender o mal, sua existência parece ser muito real em nossa vida do dia-a-dia e em vários outros reinos experimentais, particularmente no domínio dos arquétipos. No mundo da religião, nós freqüentemente encontramos tendências a retratar o mal como algo separado do Divino e a ele estranho. As experiências holotrópicas conduzem a um entendimento que um dos meus clientes chamou de “realismo transcendental.” Trata-se de uma atitude que aceita o fato de que o mal é uma parte intrínseca da criação e que todos os domínios em que existam indivíduos separados possuirão sempre tanto o seu lado claro como o escuro. Desde que o mal está intrinsecamente tecido na tela cósmica e é indispensável para a existência de mundos experimentais, ele não pode ser derrotado ou erradicado. Entretanto, embora não possamos eliminar o mal do esquema universal das coisas, nós certamente podemos transformar a nós mesmos e desenvolver caminhos radicalmente diferentes de enfrentar com sucesso o lado sombrio da existência.

Nos profundos trabalhos experienciais nos percebemos que temos que experimentar em nossa vida uma certa quantidade de desconforto e de sofrimento físico e emocional que é intrínseco à existência encarnada em geral. A Primeira Nobre Verdade de Buda nos lembra que a vida significa sofrimento (duhkha) e ela refere-se a situações e circunstâncias que são responsáveis por nossa miséria – nascimento, velhice, doença, morte, associação com o que não gostamos, separação do que nos é caro, e a não obtenção daquilo que queremos. Além disso, cada um de nós experimenta o sofrimento que é específico para nós o qual reflete o nosso destino e nosso carma passado.

Embora não possamos evitar o sofrimento, nós podemos ter uma certa influência em sua ocorrência e na forma que ele se apresente. Minhas observações ao trabalhar com os estados holotrópicos indicam que quando confrontamos com o lado sombrio da existência numa forma condensada e focalizada em sessões deliberadamente planejadas, nós podemos reduzir significativamente suas várias manifestações em nossa vida do dia-a-dia. Existem alguns outros modos nos quais a auto exploração sistemática pode nos ajudar a enfrentar com sucesso o sofrimento e as experiências de situações difíceis da existência. Depois de termos aprendido a suportar a intensidade extrema das experiências dos estados holotrópicos, nossa atitude básica ao enfrentar o início de qualquer sofrimento sofre uma profunda mudança e as provações e atribulações da vida do dia-a-dia serão muito mais fáceis de suportar.

Também descobrimos que não somos o corpo físico ou aquilo que os hindus chamam de nome e forma (nāmarūpa). No decorrer de nossa auto exploração, nós experienciamos mudanças radicais em nosso sentimento de identidade. Nos estados holotrópicos, podemos nos identificar com qualquer coisa, desde uma insignificante porção de protoplasma num vasto universo material até a totalidade da existência e a própria Consciência Absoluta. O fato de vemos a nós mesmos como vítimas indefesas de esmagadoras forças cósmicas ou como co-autores do script de nossas vidas terá naturalmente um profundo impacto no grau de sofrimento que experienciamos ao viver ou, ao invés disso, no grau de deleite e liberdade que podemos desfrutar.


"Retirado de: O Jogo Cósmico; de Stanislav Grof"

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