sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A loucura divina - Stanislav Grof

Durante uma emergência espiritual, a mente lógica é, muitas vezes, desviada e os ricos mundos pitorescos da intuição, da inspiração e da imaginação assumem seu lugar. A razão se torna restrita e a verdadeira revelação fica acima do intelecto. Para algumas pessoas, essa incursão nas áreas visionárias pode ser excitante, espontânea e criativa. Mas várias vezes, como isso não envolve os estados da mente considerados normais, muitas pessoas pensam que estão ficando loucas.
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Quando acontece a dissolução da racionalidade como parte do desenvolvimento espiritual, ocorre o desaparecimento de antigas restrições mentais ou mesquinharias, que são às vezes obrigatórias, antes que uma consciência abrangente e uma inspiração intensificada possam tomar seu lugar. O que, na verdade, está desaparecendo não é a capacidade de raciocinar, embora possa parecer que isso aconteça durante um certo tempo, mas as limitações cognitivas que mantêm a pessoa pressionada e imutável.

Enquanto isso estiver ocorrendo, o pensamento linear será às vezes impossível, e a pessoa sentir-se-á mentalmente agitada quando a consciência for bombardeada com o material liberado pelo inconsciente. Emoções estranhas e perturbadoras tornar-se-ão subitamente acessíveis e a racionalidade outrora familiar será inútil para explicar essas ocorrências. Isso poderá ser um momento crítico muito assustador no desenvolvimento espiritual. Porém, se uma pessoa estiver verdadeiramente comprometida com o processo de emersão, isso será passageiro e poderá ser uma fase de transformação muito importante.

Em The Chasm of Fire, Irina Tweedy conta suas sensações de loucura:



Meio inconsciente, de repente percebi no quarto escuro, à minha volta, algum tipo de névoa girando, sombria, cinzenta... e logo pude distinguir mais coisas ou seres horríveis, maldosos, obscenos, todos unidos em relações sexuais, criaturas elementares, parecidas com animais, em orgias sexuais selvagens. Eu tinha a certeza de que estava ficando louca. Um arrepio de frio me deteve; alucinações, loucura; nenhuma esperança para mim — insanidade — era o fim... As criaturas estavam mais próximas, então, todas ao redor da minha cama... Todos aqueles demônios deviam estar em mim! Deus misericordioso, me ajude! Não há escapatória para mim, exceto um asilo indiano para dementes, ou uma cela para loucos!

Às vezes, padrões desconhecidos de coincidências significativas incomuns podem parecer governar as atividades do mundo, substituindo a ordem mais previsível, aparentemente controlável e conhecida. Outras vezes, as pessoas podem passar por um caos interior total; sua maneira lógica de estruturar a realidade se desvanece e é abandonada com uma confusa e desorganizada falta de continuidade. Totalmente à mercê de um mundo interior dinâmico, cheio de um intenso drama e emoções absorventes, elas não podem operar de modo objetivo e racional. Talvez sintam como se essa fosse a destruição final de qualquer resto de sanidade, e ficam com medo de serem levadas à loucura total e irreversível.
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Essa experiência de insanidade é lembrada por uma mulher depois de sua emergência espiritual: "Senti como se minha mente estivesse sendo destruída em milhões de pedaços. Eu não podia me agarrar aos pensamentos como os conhecia; havia apenas fragmentos. Meu marido tentou falar comigo, mas não pude captar-lhe as palavras. Nada fazia sentido. Tudo estava completamente embaralhado e confuso. Eu tinha visões de mim mesma como uma paciente crônica na enfermaria de algum hospital estadual pelo resto da minha vida. Eu estava certa de que esse era o modo como ficaria para sempre."
Certas tradições espirituais oferecem uma visão alternativa desse tipo de "loucura". A "loucura santa" ou "loucura divina" é conhecida e apreciada por várias tradições espirituais, e é diferente da insanidade comum; é vista como uma forma de intoxicação pelo Divino que proporciona habilidades extraordinárias e instrução espiritual. Em tradições tais como o sufismo e a cultura americana nativa, figuras sagradas reconhecidas como tolas ou idiotas são conhecidas por englobar esse estado. Videntes, místicos e profetas venerados são freqüentemente descritos como inspirados pela loucura.
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A loucura divina é descrita pelo filósofo grego Platão como um presente dos deuses:
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As maiores bênçãos vêm pelo caminho da loucura, a loucura que certamente é enviada do céu. É quando estavam loucas que a profetisa de Delfos e a sacerdotisa de Dodona fizeram tanto para que os Estados e as pessoas da Grécia lhes fossem agradecidas; quando sãs, fizeram pouco ou nada... A loucura é um presente sagrado, quando devida à providência divina.

Na cultura Okinawan, esse estado é chamado de kamidari; é um período em que o espírito da pessoa passa por um tempo de provação, durante o qual ela não pode agir racionalmente. A comunidade apóia a pessoa, reconhecendo sua condição de loucura como um sinal de que está próxima a Deus. Além disso, essa pessoa é respeitada como alguém que tenha uma missão divina.

"Retirado de: A tempestuosa busca do Ser; de Stanislav e Christina Grof"

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